terça-feira, 19 de agosto de 2008

Nas tardes ascetas...

Se souberes duma rima nova
não ma tragas cá

Se tiveres uma noite insónia
não venhas com ela

Porque, aqui, neste rincón de poetas
de lantejoulas e de vira-ventos
assobiamos todos contra emolumentos
nas tardes ascetas.

O que aqui se dá nem aqui se vende
turistas não põem pé nestes lugares
não sabem sequer da nossa existência

temos um portal onde mora o sol
temos a lua a cair do monte
falamos a língua que ninguém entende

Se souberes dum verso da cor da romã
se souberes da música da flauta de Pã
passa cá um dia

mas vem nu de choros, sem roupa de burlas
que nós temos cantigas, sinfonias, coros
aromas de amor às feiras segundas

Se sabes duma rima nova
guarda-a para ti

que nós vivemos na terra batida
na terra de aqui

Onde pára o vento a dormir a sesta
e me sustento de tudo que é são
debaixo do céu

aldeia moderna que rasgou o véu
da antiguidade


Fernando Morais, Caderno n.º 29

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