sexta-feira, 28 de novembro de 2008

Circuito fechado

a fonte das lágrimas secou. também a das palavras.
o que resta de ti?
meter os punhos sangrentos na raiva dos dias
ruídos da cidade cega por modelar
argila pobre dos dias, massa lunar do silêncio
fragmentos da cidade cega, impossível o afecto
o que resta de ti?
amar o labirinto, abres os poros à sedução
de todas as contrariedades, amar o que é difícil.
fechas-te na sala oval do desespero e atrás
de cada porta o mistério. olha:
abre esta devagar, talvez seja o armário da poesia.

não dormes, pensas
o coração promete dar-te mais um dia.


(Maio 1995)
António Vitorino, Caderno nº 40

Eis as palavras articuladas

o nome de um poema é o mais importante do
[mundo
logo a seguir vem a carruagem do primeiro verso
e a do segundo e a do terceiro até formar o poema.
mas o que é um poema?
para que serve um poema?
o mundo não explica. a poesia não explica o mundo
serve-se das vísceras como água se fosse bebida
talvez. ainda ninguém sabe. ainda não há ciência.

eis as palavras articuladas.
(um pequeno deus arrisca a pergunta: para quê?)


(Maio 1995)
António Vitorino, Caderno nº 40

Lá em cima

eu sei que há gente sentada por cima de mim.
para isso sangrámos a ideia de avião
pássaro breve
voo perfeito
& tal.

vejo televisão
trituro a tristeza
agora quero descansar durante quinze dias
navego para o sol.

não. para a noite.

afinal, modelo-te no capitel
meu prisma dissonante.

olha:
um vídeo na cabeça é irreversível, não é?


(Outubro 1995)
António Vitorino, Caderno nº 40

E pronto agora já podes chorar

e pronto agora
encerraste os teus lírios na camera
obscura do esquecimento e pronto agora
ranges dentes apertas parafusos
no cérebro no torno regulas o torniquete
que evita o jorro de palavras necessárias
para que te possas entender quem és
quem pois estás a ser que peixes voadores
pululam teus tropismos ou teu sal
de lágrimas que evitas de águas perdidas
de silêncios na volta do fumo para casa
do mar. e pronto agora
agora já podes mudar a cor do rosto
e já podes apertar a porca regular o torniquete
da tua inquisição metódica teu índex
teu ódio teu pesar. e pronto agora
agora que desistes e te fechas no teu quarto
mostra ao mundo a massa de que é feito um poeta.
agora já podes chorar.


(Janeiro 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

A bomba da paz

todas as nações deviam ter uma bomba nuclear.
afinal
todos os supersticiosos
têm a sua moedinha da sorte,
não é assim?


(Fevereiro 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

Terceiro monólogo barato

os milagres da palavra, edição encadernada
papel de alto risco e delambida lombada.
de galáxias só milhões são vinte e três
de profetas só milhares, trinta e dois
de rimances muitas rimas, multidões.
outras contas de poetas: contas feitas trinta e três,
noves fora
quase nada.
compre cá. aqui o compre
calhamaço de palavra condenada:
enforcada nesta guita. o cordel não custa nada
e a prosa
é barata.


(Março 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

Segundo monólogo barato

por essas alvoradas da palavra
articulávamos severos sons:
poetas fomos.
depois, erguemos uma torre muito alta
e deus zangou-se.
é por isso que a poesia não vende:
porque não
e também não é passível de verter em outros
[moldes.
e trair é atrair a tradição,
não vá deus zangar-se novamente com os versos.


(Março 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

Primeiro monólogo barato

vinte e três milhões de galáxias
caíram na minha cabeça.
foi assim na primavera dos dias
no tempo em que nosso pai adão
comia os frutos proibidos
e conversava com eva
na língua bifurcada das serpentes.
assim foi na infância do poema.


(Março 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

Frio

à volta os olhos. arestas
manhã cinzenta. olhos negros,
olhos lentos.

resguardo corpos de frio.

à volta os olhos. arestas
prisões de frio.
submerso ainda no meio sonho
olho
paredes brancas do quarto frio
rumor de gente e carros,
um cheiro pressentido de castanhas ao lume
corpo mole,

é inverno.


(Outubro 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

Pequena pergunta

é tão fácil perderes-te na sedução do labirinto
nas farpas automáticas da noite e
no vinho suado à sombra das estrelas de néon.
sim é fácil não é?
mas onde perdeste o novelo de regresso
à tua vida?


(Novembro 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

Aritmética

rasgo uma folha de papel em duas
e ficam quatro folhas.
rasgo duas folhas de papel em quatro
e ficam oito folhas.
rasgo quatro folhas de papel em oito
e ficam trinta e duas folhas.
agora rasgo tudo ao meio
e tenho sessenta e quatro folhas.
acabou-se-me o papel
já não tenho que rasgar
mas fico com lição para te dar:
multiplicar é dividir
(ou seja, fazer contas de sumir).


(Novembro 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

Opção simples

os hebreus inventaram um pecado original
e obrigaram-se a sofrer por isso.

os gregos acorrentaram à pedra o criador da
[humanidade
e comeram-lhe o fígado.

qual dos poemas preferes?


(Novembro 1997)
António Vitorino, Caderno nº 40

No céu escuro

No céu escuro
Onde habita a lua
Onde o céu é preto
E a noite é tua.
Conta a lenda,
Uma nova história,
Um novo mundo,
Uma outra vitória.
E nas palavras ditas
E por ti transcritas
Descreves um mundo perdido
Num tempo esquecido.
Do lápis que seguras
Linhas soltas são escritas
E a borracha apaga,
As palavras
Que não querem ser ditas.

07/12/2003
Susana Cunha, Caderno nº 39

Lamúrias

Eu não soube aproveitar
O tempo para contigo estar
Deixava sempre para o amanhã
Tinhas razão para me deixar
Para quê estas lamúrias
Quando eu já te perdi
Quando não soube agarrar
A oportunidade para te amar.
As lágrimas voam do meu rosto
Elas querem-te encontrar.
Mas elas não te trazem de volta
Pelo contrário,
Só fazem a saudade aumentar
E pensar no tempo perdido
Com coisas fúteis
E com coisas inúteis.
Diz-me como te trazer,
Como deixar de sofrer
Ou como deixar de te querer.
A liberdade voou da minha mão
Deixando toda a solidão.
Serei que irei ficar assim,
Caminhando para um só fim?!
Ou será que amanhã
Já estarás junto de mim?!

01/12/2003
Susana Cunha, Caderno nº 39

Solto

Abre a porta,
Por onde te escondes
E corta essas amarras!
Liberta-te do sofrimento,
Livra-te desse tormento.
Não ficaste mais solto?
É bom ter de novo movimento,
Voltar a correr desalmadamente
Por este Mundo intransigente.
Não mais voltes e sorri.
Sorri, sorri
Para quem sorri para ti.
E ri, ri
Para quem rir de ti!
Sim, porque tu és livre,
Quando os outros não o são.

27/09/2003
Susana Cunha, Caderno nº 39

Prisioneiro

As tuas asas foram cortadas
Já não podes mais voar,
À realidade te trouxeram
Não te deixam mais sonhar.
E enquanto baloiças na cama
O soluçar, a voz que te chama
E as lágrimas do teu olhar,
Não te conseguem deixar.
Por isso, manténs os olhos abertos,
Quando queres adormecer.
E quando vês o dia amanhecer,
Queres estar onde te apetecer
Sem que ninguém te diga
Aquilo que deves ou não fazer.
A alegria de viver,
Deixou o teu triste ser,
Em seu lugar ficou,
A tristeza que te amuou.
Pagas o preço dos teus actos,
Estás prisioneiro nos teus retratos
E de tudo aquilo que não amas-te.
Já não podes mais fugir
De tudo o que te está a perseguir.
Baloiçando na cama devagar
Vês uma noite mais chegar,
E o tempo para ti passou devagar.
Mais um dia se passou

A expressão do teu olhar mudou,
As lágrimas dos teus olhos secaram
E os soluçares, acabaram.
A revolta apossou-se de ti,
Não sabes viver sem liberdade
Enlouqueces de raiva,
Gritas de saudade, ...
... E no fim, o grito do silêncio.
Já não estás mais prisioneiro,
Pois a tua alma partiu pelo ar
Ficou livre e começou a voar.
No chão o teu corpo ficou
Para que os outros
O continuassem a aprisionar.

20/06/2003
Susana Cunha, Caderno nº 39

Quem sou eu

Quem sou eu para contrariar,
Quem sou eu para amar,
Quem sou eu para dizer,
Com quem tu deves andar!
Não sou ninguém na tua vida
Nem nunca pretendi ser.
Só espero que tu me digas,
Tudo o que tens para me dizer.
Não importa que tu grites,
Desde que tu fales comigo!
Não importa que me repudies
Estarei sempre contigo.
E se por fim tu quiseres
Seguir com o teu destino
Vou-te deixar partir
E ficarei a ver-te ir.

25/05/2003
Susana Cunha, Caderno nº 39

Como vou fazer

Como vou fazer,
Para tu me olhares,
Querer me conhecer,
Para em mim te despertares!
Queria poder dizer,
Que te espreito pela janela
Todos os dias ao anoitecer,
Estando a luz apagada ou acesa.
Quando um dia não estás,
Em mim habita a tristeza
Pois já não te verei com certeza.
Enfim, consigo viver
Sem ti durante o dia.
Mas se disse-se que à noite
Não te esperava, mentia.

03/01/2003
Susana Cunha, Caderno nº 39

Porque não?

Dizem que sou romântica
E porque não!?
Se acredito na paixão

Dizem que sou teimosa
E porque não!?
Se acho que tenho razão.

Dizem que sou sonhadora
E porque não!?
Se acredito na ilusão.

Eu só sou eu mesma, sim!
E porque não!?
Se eu nasci assim.

31/07/2000
Susana Cunha, Caderno nº 39

Sentada te esperei

Sentada te esperei
Mas não te alcancei.
Quando passei por ti,
Tu já não estavas ali.
Passei uma vez mais
E mesmo assim não te vi!
Quando te encontrei
Já era tarde demais,
Em mim nunca estiveras
E já não estarias mais.

30/07/2000
Susana Cunha, Caderno nº 39

A voz...

Por entre murmúrios
Oiço a voz do canto
É neste sentido que mergulho
Para alcançar o meu espanto!
Nado em busca da resposta
Procuro-a sem parar
Quero mesmo alcançar
A voz que me chama sem parar.
A escuridão apodera-se do meu olhar
Do longe só se vê o imenso luar.
A voz que me chama
Parou de murmurar
Intensificando a sua forma de me chamar.
Estou cansada, fico de mala posta,
Já é tarde, aqui vou ficar
Mas a voz não me para de chamar
Que hei-de de fazer?
Não vou ficar aqui a morrer!
Levanta-te e procura,
A voz que te chama é o sonho
Que eu quero alcançar.

09/06/1999
Susana Cunha, Caderno nº 39

Corre sem medo...

Sozinha vai, vestida de branco
Percorrendo a escuridão
Iluminada pelo fogo
Que trás luz ao seu coração.
Corre sem medo por estes caminhos.
Seus cabelos soltos vão,
Seu olhar preso está
Ao chegar ao destino
Perdido e tenso
No olhar do seu caminho.
Corre sem medo,
Corre vestida de branco.
Corre, corre
Sem nada temer
Não tem nada a perder
Nada a impede de correr.
Voa seu vestido branco
Corre, corre sem parar
Tanta pressa no seu olhar.
Rapariga de cabelos soltos
Que corres sem medo,
Nunca pares de sonhar

18/06/1998
Susana Cunha, Caderno nº 39

A noite cai...

Silêncio profundo
Neste meu mundo,
É a noite que cai.
São horas de deitar,
Adormeço o corpo,
A minha alma vagabunda.
É então que sonho
Um mundo só de fantasias
Um mundo esse que afinal,
Não passa de um outro igual
Ao quarto do meu mundo.
Podes fechar os olhos
Descansar, imaginar, sonhar...
É tão bom quando a noite cai
E sob o meu mundo,
Fica um silêncio profundo,
Um silêncio profundo.

18/03/1998
Susana Cunha, Caderno nº 39

Casamento geométrico

1. Foi casar em Siracusa
Certo dia o Dom Cateto
A noiva era a Hipotenusa
O prior foi o Ângulo Recto

2. O altar era em Triângulo
Rodando em sua geretriz
O padrinho foi o Rectângulo
E a madrinha a Bissetriz

3. A igreja formava Pentágono
Com Ogivas nos seus portais
A torre de base num Hexágono
E outras formas poligonais

4. Houve a benção sacerdotal
Para os noivos abençoar
Que foi uma Linha Vertical
E outra Linha Perpendicular

5. A noiva estava tão bonita
Com o seu vestido Ogival
No cabelo tinha uma fita
Enrolada numa Espiral

6. O cortejo estava formado
Com muitas figuras belas
Descendo um Plano Inclinado
Linhas Curvas e Paralelas

7. Do lado dos seus namorados
Com beijinhos e mais suspiros
Ângulos Obtusos e Rasos
Ângulos Agudos e até Giros

8. Com cerimónia de sapiência
Numa Parábola os confessou
Metendo no dedo a circunferência
Geometricamente os casou

9. Saiu o cortejo em Diagonal
Deixando passar os nubentes
Seguiu um vasto cerimonial
Organizado pelas Tangentes

10. O Diâmetro pagou a boda
Que foi servida pelas Secantes
Num Círculo andaram à Roda
Entre Triângulos Semelhantes

11. Travessa em Losango Rombo
Estava em frente dos nubentes
Continha um Cilindro de lombo
Cozinhado pelas Tangentes

12. O Apótema é um grande cábula
Que à ciência dissera um não
Por desconhecer que a Parábola
Nasceu do Cone de Revolução

13. Há Pirâmides de camarões
Hipérboles de nata em castelo
Cubos de carne em rojões
Presunto cortado em Paralelo

14. Várias Elipses de marmelada
Esferas em doces de Berlim
Só ao romper da madrugada
É que a boda chegou ao fim

15. A Geometria traçou um Plano
Firmado para filhos e netos
Nascendo passado um ano
Um par de bebés Catetos

16. Pitágoras disse em Siracusa
Num teorema para seus netos
Que o quadrado da Hipotenusa
É igual ao quadrado dos Catetos


Manuel Antunes Marques, Caderno nº 38

O acelera (aprenda a morrer nas Estradas de Portugal)

1. Só para ver o que acontece
Fazendo ver aos Campeões
Eu gostava que aprendesse
A morrer em dez lições

2. Não perca a oportunidade
De uma manobra arriscada
Mostrando a sua habilidade
Ultrapassar na lomba da estrada

3. Digo-lhe que é tão emocionante
Como navegar em águas turvas
Talvez mais arrepiante
Do que ultrapassar nas curvas

4. Mostre a sua personalidade
E nunca ande devagar
Mesmo não tendo possibilidade
Não espere para avançar

5. Andar em alta velocidade
Não há coisa mais bonita
Mesmo que não haja visibilidade
E a estrada o não permita

6. Circule no meio da estrada
Quando meia estrada não baste
Não se importe com nada
Cada qual que se afaste

7. Se vai numa via secundária
E quer entrar na principal
Entre de forma autoritária
Porque o seu direito é igual

8. Se vai na passagem de nível
Das que não têm guarda
Passar à frente é preferível
Do que passar à retaguarda

9. Se o seu carro derrapar
Não esteja com meias tretas
Carregue no pedal para travar
Vai ver que faz piruetas

10. Se vai mudar de direcção
Não faça sinal a ninguém
Nem que seja fora de mão
Você entra como lhe convém

11. Se encontrar uma fila parada
Ultrapasse e vá para a frente
E mostre a essa cambada
Que você é inteligente

12. Mostre que é destemido
E que até pode ultrapassar
Quando no outro sentido
Se vem outro carro a aproximar

13. Se sofrer um encandeamento
Pague na mesma moeda
O choque é mais violento
E nunca se vê a queda

14. Se conseguiu aprender
O que lhe disse, afinal
Fica pronto para morrer
Nas Estradas de Portugal


Manuel Antunes Marques, Caderno nº 38

Diálogo entre o Tejo e o mar

1. Ó Mar tu és muito grande
É tal a tua imensidão
Como o amor que se expande
Dentro do meu coração

2. Ó Mar tu és um gigante
A tua força é indomável
Que levas tudo por diante
Com tua fúria imparável

3. Ó Mar tu és traiçoeiro
Não te importas de afogar
Qualquer náufrago marinheiro
Que em ti não sabe nadar

4. Ó Mar tu também tens beleza
Com tua bela ondulação
Na tua maior profundeza
Há a mais linda vegetação

5. Ó Mar tu és piquinino
Tens apenas três letrinhas
Para que qualquer menino
Te escreva nas entrelinhas

6. Ó Mar tens muita alegria
E em noites de lua cheia
Ouve-se a melhor melodia
No canto de uma sereia

7. O Mar tu tens muita vida
E o teu amor é profundo
Porque forneces comida
A milhões de seres do mundo

8. Ó mar tu és tenebroso
Mas não deixes afogar
Um pescador corajoso
Quando o barco naufragar

9. Ó Mar tu tens água pura
Deixa-me aqui protestar
Contra qualquer criatura
Que atire lixo para o mar

10. Ó Mar qual é teu segredo
Que mistério em ti se encerra
Porque muita gente tem mêdo
Que um dia galgues a terra

11. Ó Mar se vais submergir
A terra, diz lá quando é
Para começarmos a construir
Mais uma Barca de Noé

12. Ó Mar na despedida que faço
Deixa-me tua água beijar
Quero enlear os meus braços
Com os vários braços do Mar


Manuel Antunes Marques, Caderno nº 38

Cacilheiro, o meu "barco do amor"

1. No tempo em que namorei
Fui visitar o Cristo Rei
À linda Vila de Almada
Num dia lindo e soalheiro
Embarquei num cacilheiro
Com a minha namorada

2. O Tejo tinha as águas calmas
Que fazia sonhar as almas
Dos casais de namorados
Cortava o ar uma brisa pura
Envolvendo em amor e ternura
Os corações apaixonados

3. Este meu “Barco do Amor”
Nada tinha de inferior
Ao mais luxuoso cruzeiro
Tudo em volta era beleza
O amor era a maior grandeza
Do mais humilde cacilheiro

4. Quando desembarquei em Cacilhas
Apreciei todas as maravilhas
Que nos ficam cá deste lado
Conheci a gente do Ginjal
Gente tão pura, que por sinal
Eu nunca tinha visitado

5. No Monumento a Cristo-Rei
Aos pés de Cristo parei
Para dar um beijo de amor
Rezei também a minha oração
Depois troquei meu coração
Testemunhado pelo Salvador

6. Foi um marco na minha vida
Depois visitei logo de seguida
Tão grandioso monumento
Passadas horas eu abalei
Mas deixei no Cristo-Rei
O meu mais puro juramento

7. Esse amor que continuou
E cada vez mais apertou
As amarras da minha vida
E sem saber dizer que não
Continuou a minha paixão
Junto da mulher pretendida

8. Se um dia a vida acabar
Podemos continuar a amar
Através de uma grande saudade
Depois de feito o juramento
O amor é o maior sentimento
Que dura uma eternidade

9. Embarquei depois no Madragoa
De regresso para Lisboa
Entre o “sol-por” e o luar
Quando cheguei ao meio do Tejo
Senti maior amor num beijo
Num cacilheiro a navegar

10. Este cruzeiro do Tejo
Um cacilheiro e um beijo
Envoltos num amor profundo
Neste meu “Barco do Amor”
Para mim tem mais valor
Que o maior cruzeiro do mundo


Manuel Antunes Marques, Caderno nº 38

segunda-feira, 24 de novembro de 2008

X

Se soubesses como eles deturparam
a tua ideia
o teu sentido de pureza
as palavras do saber
e a musica da alma que puseste a nú...

Se soubesses que tanto sofrimento
nesse hospital da morte
não te foi poupado

e que a triste ideia
tola do dinheiro
para a tua velhice...

só serviu para o luxo dos que emendaram
com mentiras
a tua mensagem de carinho.

Depois dessa infâmia
ainda quiseram que a tua estatua
fosse a burrice dos que escarneceram
a tua vida e a tua obra...


Fernando Morais, Caderno nº 37

IX

Seria um platónico amor
na esfera do acontecer
como uma carta perfumada
que já não se usa nem consome

Seria uma dádiva dos dias jovens
braçado de rosas que se não contempla
quando afinal ficamos sós
com laços que se não desprendem

Ou então na fugidia esquiva
da estrada que o “solas de vento”
tanta vez percorreu, instalou-se
uma nova maré do pensamento


Fernando Morais, Caderno nº 37

VIII

Será verdade que lutaste nas ruas da Comuna?
e que te alistastes como voluntário?
Mas nada está provado.
Será que não escreveste nem confidenciaste a um amigo
essa opção de jovem em fuga...

Quem escreveu “LE FORGERON” só pode ter estado lá.
Para sentir todo esse clima de euforia e coragem
essa ambiência e volume nos gestos
sinalizando tão grandes emoções
que mudaram o homem comum

Uma coisa sabemos hoje: tu estiveste lá
Viste e ouviste falar os veteranos
cruzaste as tuas mãos nas deles

O cheiro da pólvora afagou-te as narinas...


Fernando Morais, Caderno nº 37

VII

foi um tempo de raivas e de injúrias
em que era preciso pôr em causa
quase tudo aquilo que se ouvia

a diferença enorme
entre o vivido e o contado
foi o que tiveste

e sabias do mundo novo prometido
que veio da leituras aturadas
e da nascença do poema triunfante
da reabilitação dos seres limpos

por aí caminhava confiante
o sonho a comandar a vida...


Fernando Morais, Caderno nº 37

VI

Quando dizes “ A Comédia da Sede”
fazes-me lembrar um pobre homem
que viria depois de ti oitenta e um anos
para escrever sobre coisas do campo...
Ele, um filho da cidade radical,
cheio de ilusões e sonhos a tentar perceber
que mundo era o seu.

Como a ti, era o desconhecido que o atraia
não as malgas de vinho verde
com açúcar e sopas de pão.


Fernando Morais, Caderno nº 37

V

Quando dizes “ canção da mais alta Torre “
dizes que a juventude parada
delicadamente se deixa subjugar
e que venha depressa o tempo
onde os corações se abracem...

Porque sabes que a sede que sentes
é de outras águas
de outras paragens
e não aqui onde perdes a vida
por uma palavra despedida...


Fernando Morais, Caderno nº 37

IV

Nunca tiveste dinheiro nem para o comboio
que te levasse até PARIS da Comuna
Mais tarde soubeste ganhá-lo honradamente.

O grupo de poetas e de artistas valdevinos e agrestes
que te deram guarida e companhia
aliciaram-te à sua forma de viver
que ultrapassaste corajosamente.
Foste sempre mais longe e mais fundo
na poesia e na vida
o que fez da tua Palavra um sinal dos tempos
um ramo de flores na estatua da Liberdade.


Fernando Morais, Caderno nº 37

III

Penso naquele dia em que brincavas
com Frederico num barco improvisado
fazendo-o balancear sobre a água do teu rio

O barco - bêbado é esse
teu “bateau ivre”
e o talento precoce parece
tê-lo feito “revivre”

Mas o que interessa verdadeiramente
no sabor pesado, salgado, das marés
é que o brincar possa ter levado
a um tal poema que veio emoldurar
a pintura marinha
com tanto esplendor.


Fernando Morais, Caderno nº 37

II

Nunca fizeste filosofia no teu poema
o estado das coisas
e a alma dos acontecimentos...
O teu estilo fulgurante vem dos sentidos
da forma visível e audível dos seres...

A tua relação com a História
foi uma pergunta desferida
à queima-roupa...
Depois
encolheste os ombros e foste embora


Fernando Morais, Caderno nº 37

I

Tanta gente te feriu Rimbaud
outros tantos te votaram ao desprezo
e ainda aqueles que não puderam suportar
a tua existência original
Foi assim que a tua obra se escreveu
diante do espelho partido da sociedade
que devolveu as imagens redutoras

foi assim...
E os teus olhos azuis intensos de cyano
viram o mundo andrajoso reflectido
em atitudes e poses desfiguradas
saírem do espelho para a vida
incapazes dum momento de beleza
da audaciosa beleza do humano...


Fernando Morais, Caderno nº 37

A noite

Por vezes, a noite torna-se
na mais longa estrada a percorrer.

Estou dentro dela. Da noite.

Dentro do seu vazio silencioso
que de mim se acerca
com indizíveis passos.

Dentro da sua solidão imensa e infinita
onde me perco,
embriagado por esta noite sem brilhos.

Recordações que surgem.

Que fazem gritar de dor
o corpo ferido
pela lança invisível do destino.

Ainda há um instante atrás
eu era uma criança
dentro deste sonho.

Estou dentro dela. Da noite.

E só sinto
a alvura do frio...


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Pai

Ao sentir que partiste,
O mundo sobre mim desabou, e no

Meu coração deixou, uma
Eterna saudade desmedida,
Uma ferida que sangrou.

Que descanses junto de quem te amou
Um momento que seja de serena paz
E na minha memória perdurará
Recordações, que tocaram a alma empobrecida.
Impossível esquecer o teu rosto sereno, e coroado, a
Dormitar na alvura, do silencioso dia, de
Olhos fechados, tranquilo para a partida.

Paz eterna à tua alma – Poesia.
Amarga ausência que estremece, o
Imenso rio que te dá vida!...


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Poema a uma jovem flor

Para a Carla


Ainda ontem,
envolvia-te em meus braços
com mil cuidados.

Ainda ontem
eras a criança
que trazia pela mão embevecido,
e te levava a passear
àquele lugar que tanto gostavas
para que sentisses, como eu, o pulsar das águas,
a magia eterna daquele majestoso lugar,
que por nós chama sem cessar.

Era para lá ...
para esse lugar quase secreto
que tu tão bem conheces,
que nos dirigíamos
nos nossos passeios de fim de semana, sem excepção.

Era lá que juntos
encontrávamos alguma paz interior
e tentávamos de alguma forma
esquecer os dissabores que a nossa vida
infelizmente nos havia guardado.

Era lá, que encontrávamos de mãos dadas,
numa brincadeira sem regresso
o voo razante das gaivotas,
o solitário vento assobiando
e o marulhar das águas
no silêncio das pedras feridas.

Era nestas pedras de alma branca
que nos sentávamos silenciosamente
admirando maravilhados, o rio a nossos pés
que se estendia para lá da grandiosa ponte,
que continua a abraçar num desejo de anos,
as duas margens do rio.

Era neste humilde lugar encantado,
quase deserto de pessoas que , em segredo,
falávamos dos nossos desejos
e de sonhos por realizar.

E caminhando descalços, praia fora,
apanhavas de quando em vez
pequenos seixos e conchitas
que brilhavam graciosamente
no centro da tua mão, ao sol da tarde,
que depois juntavas religiosamente
num pequeno saco de plástico
que eu tinha o cuidado de levar,
bem guardado, no fundo do meu bolso.

Sei que todos estes momentos
se diluíram no tempo sem piedade
mas não na minha memória.
Porque os guardo bem vivos como se fosse hoje ,
neste preciso instante em que te escrevo,
este longo poema de saudade.

Sei que és livre como uma pomba,
como um pássaro alado.

Que todo o teu corpo cresceu.
Mas o meu não,
o meu envelheceu... É certo.

É por esta razão,
que quero dar-te a minha mão,
já cansada de viver...
E uni-la humildemente à tua,
tão cheia de vida.

Vaguear por aquele lugar novamente
como se fosse a primeira vez.
E pudéssemos conversar com o vento amigo
ou contar um a um,
todos os pequenos grãos de areia,
como num sonho interminável,
como se fossemos
eternamente duas crianças!...


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Triste lugar

Que triste lugar este
para um pássaro cantar.

Que silêncio implacável
calou todas as bocas?

Que grito de saudade
se soltou
das gargantas enlutadas
com a força de mil vagas.

Soa o cair da noite.

Como te quero
e sinto a tua ausência.

Das palavras que me restam
torno o sonho interminável.
Amor
que do teu ventre
ao Mundo me trouxeste.

SANTA MÃE!!!


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Os sem abrigo

Chegam quase sempre sem se dar por eles.

Julgo que são anjos sem rosto
que vagueiam como sombras abandonadas,
que a noite encobre dos olhares.

De onde me encontro,
assisto a cada gesto iniciado
que estes dão de si,
perante a magreza vincada dos olhares.

Procuram sem descanso,
em cada recanto ou rua de Lisboa,
as mãos famintas deste mundo
que aguardam quase inconscientes
que outras feitas de vontade
se abram às suas,
frias, sujas... talvez trémulas,

os sem abrigo.

Como os esconder
dos olhares,
se o dia for de luz.


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Haverá sempre um poeta

Por dentro de mim
haverá sempre um poeta a laborar
na doçura mortal das palavras.

Por fora, serei o homem que aguarda sem medos
que o momento da morte
adormeça sobre a espessura dos lábios,
e a vida se apague
levando com ela o último dos sorrisos.

O POETA...
esse ser inexpugnável e inextinguível,
possuidor do dom infinito das palavras que a tantos
[falta, viverá!!!

Acreditem ou não...

Só o poeta consegue ver claro,
para além das trevas.


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Escrever

Escrever,
será o mesmo que desenhar palavras?

Eu julgo que as desenho simplesmente.

Mas sinto que nada sou por o fazer.

A não ser eu mesmo.

Um corpo feito de palavras, ao vento,
perdido no mundo
em constante movimento.


Alberto Afonso, Caderno nº 36

O dia acabara de nascer

O dia acabara de nascer,
e já atravessava o rio num cacilheiro,
com o ginjal em fundo
preso no olhar.

Uma voz vinda do coração quase luminosa,
dizia a custo:
- Sou um doente com sida,
estou cheio de fome.

A mesma frase ouvi-a repetir-se incessantemente
[vezes sem conta.

O seu braço alongava-se uma vez mais abandonado
[ao silêncio.

A mão abria-se em forma de concha e serena,
aguarda infatigável o peso de uma moeda.

Extenuada recolhia-se num sono breve sem sentido.

O mesmo gesto feito a todos com a mesma dignidade,
tendo como resposta
o silêncio imperturbável de quantos.

Finalmente uma moeda cai indiferente
na mão do menino de rua.

Sou um doente com sida,
estou cheio de fome.

Afigura-se-me o fim da viagem.

O eco da vida que se esvai aos poucos
entre duas margens.


Alberto Afonso, Caderno nº 36

A Ramos Rosa

Há um lugar sagrado
onde o tempo se encosta a namorar,
e as sílabas despertam para as fontes nuas.

Na noite,
são gotas de luz a vaguear
ou muralha a prumo
que ascende ao céu inabalável.

Infatigáveis...
caminham toda uma vida
a laborar
na essência luminosa da palavra.

Falo das mãos...
das tuas mãos prontas a eternizar-se
de tão lúcidas ainda.

Ó POETA!!!


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Serra da Arrábida

Enormes crateras se alastram
pelo corpo da terra desvastado,
por explosivos ora mutilado
oh serra porque te maltratam.

Roubam-te a beleza natural
assim como quem ceifa a própria vida,
de uma forma brutal e desmedida
a força do bem contra a do mal.

Ler-se-á destruição no olhar do povo
perder-se-á o verde bosque outrora maravilhoso
ganhar-se-á uma paisagem estéril e lunar.

A serra agoniza de tão ferida
a vida morta sobre o chão caída
indicam o mundo a declinar.


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Poesia

A poesia,
é um dinossauro que coabita dentro de nós.

Se a vontade for tanta,
basta inspiração para criar,
túmidos dedos...cegos,
para a poder moldar,
e glória
para encher todas as bocas
que um dia te venham a declamar!

Ó POESIA !!!


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Mãe

Ainda sinto a tua mão na minha!...
Aquele momento tão nosso,
em que o amor do mundo
cabia todo em nossas mãos!

O silêncio das palavras no olhar.
A dor escondida no teu peito...
E tu dizias: Está tudo bem meu filho!

E eu não pensava: Não pensava que o fim de uma vida,
estivesse tão próxima de terminar.

E tu sorrias,
sorrias, por trás de uma máscara de oxigénio
que te cobria a face imaculada,
como se a doença já não te incomodasse.

Eram oito da noite.

E eu dei-te um último beijo!

O teu olhar seguiu-me
como se estivesse a despedir-se do meu.

E eu sentia a tua mão na minha!

Agora descansa...

Até amanhã Mãe!...


Alberto Afonso, Caderno nº 36

Calado

Cala-te!
Falas sempre
demais.
Raramente
dizes o que
deves.
Tenta
por uma vez
dizer o que
sentes.
Sê fiel, por uma vez,
a ti próprio.
Conta as
espingardas.


António Alberto, Caderno nº 35

Loucura

O poeta enlouqueceu.
Nem outra coisa
seria de esperar.
A vida não quer
outra coisa.

Se alguém me quiser
eu estarei presente ...
Louco! ...
Como devo ser.

Ainda hei-de
Enlouquecer
mais!

Façam-me
companhia.


António Alberto, Caderno nº 35

Horas

Rompem-se as horas.
Devassa-se a noite.
Eu, acordado,
penso em ti.
Esqueço as minhas
dores
e sinto-te
dentro da minha cama,
entre os meus
lençóis,
por dentro das
minhas almofadas
no interior
de todas as coisas
boas
que me fazem dormir.


António Alberto, Caderno nº 35

Urgência

Urgência de ti.
Infância de mim.
Infância da alegria.

O pequeno espaço
de felicidade
a que temos direito.

A minha pequena
morte
nos teus braços.

As tuas pernas
e as minhas
presas
na tua respiração
suave ...

O querer imenso
de, por fim,
me desvendar.


António Alberto, Caderno nº 35

Nua

Nua.
Eternamente nua.
Serenamente nua.
Bela, e unicamente
nua.
Simplesmente ...
nua.

Eu, desvairado
de luxúria
e de paixão,
morrerei
A teus pés.


António Alberto, Caderno nº 35

Pomar

Laranjas ...
frescas.
Maçãs ...
vermelhas.

E o tempo?
Para onde
fugiu o tempo?

Onde está
o pomar
da minha vida?

Onde estão
as laranjas
de sangue de boi?

Onde estou
eu?
Onde está
tudo?

Perco-me ...
e perdido
me sinto.


António Alberto, Caderno nº 35

Prisioneiro

Prisioneiro de mim
escravo da tortura
de mim.

Reservo-me para
o momento ...

Terei eu
coragem?

Sou
um soldado,
sou eu
que guardo
a minha prisão ...

Soldado
de mim
com um livro
ao ombro.


António Alberto, Caderno nº 35

Ponte

Entre
dois bocados
de mim
descubro
a tua sombra.

Imolo-me
no teu altar
e em fogo
puro
escrevo ... escrevo ...

Construo-te
e desenho-te.

Imagem
projectada
por mim

perpetuas-me
como sonho,

desenhas-me
a realidade.


António Alberto, Caderno nº 35

Lágrima

Tenho
em mim
a lágrima.

A lágrima
que tortura,

a lágrima
que destrói,

a lágrima
que chora,

a lágrima
que mata.

E ...
a lágrima
fácil
do álcool.


António Alberto, Caderno nº 35

Entre

Porque temos
que escolher
entre o amor
e a morte?

Porque andam
tão presos
o amor
e a morte?

Ao escolhermos
o amor
escolhemos
necessariamente
a morte?

Ou ... pelo contrário,
o amor salva
e a morte
mata?


António Alberto, Caderno nº 35

Princesa

Caminhas direita
pelo mundo
como se ele
fosse teu.

Ergues-te
destemidamente
como dona
do amanhã.

Ereges-te
como se a vida
fosse eterna.

Sem ontem
nem hoje
fazes amor
como se fosses
morrer.

Ponte
de todos
os meus rios
salvas-me
dos precipícios
a cada
minuto
que passa.

Princesa
ou fada,
sorvo em ti
o ar ...
Encontro
em ti
a vida.


António Alberto, Caderno nº 35

domingo, 23 de novembro de 2008

Festim carnal em vale fatal

Morre-se lentamente
neste vale ensanguentado
onde me deito extasiado
depois de assistir ao que
aqui se passou.
Mulheres de branco aqui dançaram
por este vale infame passaram
três mil guerreiros bárbaros
que as violaram
que sua carne comeram
seu sangue beberam
à luz de uma ténue fogueira,
e assim foi o festim,
foi assim em mil terras
e neste vale imaginado.
De certo sabeis era assim
no tempo dos reis

mas por certo vos lembrais
do tempo dos vossos pais
que outros guerreiros
violaram,
mataram,
queimaram,
no tal ultramar
onde muitos não queriam matar
no país onde reinava um corvo negro
de voz aguda
rei, tirano e padre
a quem seu povo odiava.
Dia treze de Maio festim,
dia dez de Junho festim.
Era o festim dos idiotas
no vale que nos foi fatal e a que
chamaram Portugal.


Rui Castro, Caderno nº 34

O palhaço que reina sobre a terra

Era uma vez um palhaço que bebeu
até não poder mais, e para nossa
[desgraça
tal piela não o afogou num cais.
Filho de outro presidente lá nasceu,
mas não inteligente
para acabar com os fogos quer cortar
arvores á gente.
Nascido e criado na quinta com cavalos
e com bois, ora pois!
Cabeça dura, sem nada dentro senão
serradura da melhor que o Texas tem
quem será o otário, ou dromedário
ou camelo?
é o palhaço que reina sobre a Terra
e que só deseja a guerra.


Rui Castro, Caderno nº 34

Lamento do desempregado

O futuro não existe!
oportunidade
chance
ilusão, mundo cão, existência triste.
O futuro não existe!
Só desespero,
procura, procura neste país sem
[esperança
dia a dia, mês a mês.
É o lamento do desolado
lamento do sempre explorado
toda a vida desempregado.
País do além
que por ficar aquém
de todos e todo o resto do mundo
será sempre um país imundo
enquanto houver um português
sem emprego.


Rui Castro, Caderno nº 34

Corpos

Deitados numa cama
dois corpos extasiados
pela noite de batalha sensual
na cama campo de batalha
da tal “guerra dos sexos”
da guerra positiva e quiçá produtiva,
Sangria carnal
curvas dos corpos suados
da noite da tortura do amor
sexo sem fim até ao desespero, à
[canseira
à loucura
ao desassossego
curvas do amantes como num quadro
[antigo
até se esvaírem em sangue
até que a morte os separe
aos corpos.


Rui Castro, Caderno nº 34

Noite

Noite de chuva e lá vou eu
Subindo as ruas de Cacilhas escura como
[breu
chuva miúda cai
olho as pessoa à minha volta
não sei o que dentro delas vai
Assalta-me o medo
continuo subindo
ouvindo música a condizer
Joy Division pode ser?
ou talvez Mão Morta que dizer?
É o medo do espaço
é o medo da urbe, das gentes
é o medo de tudo e de nada
No entanto só eu e a noite.


Rui Castro, Caderno nº 34

Tu

És tu que eu vejo e espero
o beijo por que desespero
Serás tu por quem há anos
desespero?
Vejo a tua face
espero por ti
um, dois ou três anos
eu espero!
Dá-me uma razão
diz-me por que não
eu digo-te porque sim!
Eu sei que sim
eu espero!


Rui Castro, Caderno nº 34

Redenção / Purificação

Sociedade hipócrita, perversa, fétida
quase religiosa,
destruição alma da criação,
dela sairá a nova sociedade,
destruidora da moral imoral,
da religião imoral,
da podridão do capital,
purifiquemos este mundo do banal,
dele só cinzas restarão,
destruir para criar,
o mundo lavado pelo sangue
purificado pelo fogo
e a seguir nós e o mundo novo.


Rui Castro, Caderno nº 34

Caros companheiros...

A vós dedico este poema
para que a bem da verdade
Saibam que o que mais prezo é a santa
[liberdade.
Brincais dizendo: “gostas do café dos
[intelectuais”, pois é verdade, é lugar de cultura e sabedoria, mas faço-o para propagar a minha amada anarquia.
Na hora da revolução que convosco
[sonho alcançar não estarei a ler nem a dançar
Nesse bonito dia não me venham com
[tretas, ninguém me encontrará no Café com Letras a beber café ou chá com limão
mas apenas e só atrás de uma barricada
[de arma na mão.


Rui Castro, Caderno nº 34

No país do cherne

Neste país do cherne
no que me concerne
está tudo duro,
estamos com azar
como no de Salazar,
onde nada se movia
tal como neste;
no outro não havia saídas
neste temos Portas, não é mau!
dirão alguns.
Com cherne e com Portas
Portugal não tem solução;
Para o ano a situação melhora
Em vez de tanga andaremos de calções.
Mas se ainda assim isto não melhora,
[terei de gritar:_ Alguém por favor que me acabe com estes cabrões!


Rui Castro, Caderno nº 34

É nossa a bandeira dos deserdados

Içai bem alto a bandeira dos deserdados,
esfomeados e revoltados
é negra a sua cor
bandeira da dor, do amor, da fraternidade,
é símbolo da sociedade do porvir
sociedade livre de exércitos, padres e
[deputados
onde não haverá mandar nem servir
Homens com história mas sem glória
em seu lugar outros de Paz, Ciência e
[Harmonia
sociedade de nome Anarquia

ao contrário do caos da Democracia,
da fome, da desigualdade e corrupção
onde outros valores se levantarão
não mais pátrias viverão
num mundo onde eu poderei dizer:
- içai a bandeira que foi dos deserdados
e dá-me a tua mão meu amigo, meu irmão
já não há Pátria nem patrão.


Rui Castro, Caderno nº 34

Fim

À janela da vida fui buscar
A força necessária p’ra nascer.
Quando abraçar a lua hei-de encontrar
A necessária paz para morrer.

Quando beijar o sol hei-de cantar
E na mais alta estrela irei viver,
E num cometa ainda a desvendar
É que a última esperança irei perder.

Quando o cinzento céu da minha vida
For esventrado ao sol da alvorada,
Eu deixarei de ser vida perdida,

Serei dum outro sol a madrugada,
Do amor serei só a despedida,
De mim o que restar só será nada!


Verdizela, 14/02/2003
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Fim de vida

Amor, amar-te é tudo quanto resta
A quem gastou a vida sem viver,
Caminhando nas ruas de sofrer
Como quem morre de tédio numa festa.

E esta réstia de luz que vem da fresta
Alumiar as casas de morrer,
Abeirou-se de mim, veio-me dizer
Que a sem vida que vivo já não presta.

E vai baixando o sol no horizonte
Da minha vida, e vai secando a fonte
Onde bebi o fel do meu chorar ...

Que importa o fim de vida que aí vem
Se o corpo moribundo ainda tem
O sol dos olhos teus para o afagar!


Verdizela, 2000
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Loucura

Eu queria que tu fosses meu amor
A ideal mulher entre as mulheres
E queria ser o homem que tu queres
E queria mais pequena a minha dor!

E sonho ser um homem de valor
A transformar em vida o que lhe deres,
A cantar os poemas que preferes,
A espalhar a beleza ao teu redor.

Eu queria amor, eu queria ter-te inteira,
Mais forte, mais mulher, mais verdadeira,
E mais bela, mais doce, mais ternura.

Eu queria ser poeta p’ra cantar-te,
Eu queria ser pintor para pintar-te!
Eu quero manter viva esta loucura!


Oeiras, 07/10/1988
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Fim de sonho

Aquela noite triste, agreste, fria,
O forte e triste rugido do vento
Nada me sai jamais do pensamento
Enquanto neste mundo eu vir o dia.

Perdido pelo escuro eu corria
Procurava um abrigo a meu contento
Quando ao longe ouvi triste lamento
Eras tu, que eu buscava e não te via.

Soprava forte o vento, eu andava,
Escutava, corria, esgravatava
Até que lá cheguei junto de ti.

Unimos nossos peitos, não falámos,
Juntinhos, um ao outro nos beijámos,
Foi o princípio, o fim, não mais te vi!


Aljustrel, Dezembro de 1953
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Declaração de amor

Chegou de mansinho a noite mais escura,
Tão mansa que não dei pela chegada,
Tão negra que não vi a alvorada
Brilhar na minha própria sepultura

Sou eu que sou a noite mais escura,
Sou a desgraça toda, sou o nada,
O nado morto em noite consoada,
Sou um resto de dor e de amargura.

Sou alguém que viveu sem ser criança,
Sou o poeta falhado, o sem esperança,
O que veio ao mundo só para chorar.

Se sou assim, então, p’ra quê viver?
Será que existo só para morrer?
Ou é que eu vivo só p’ra te cantar!?






Oeiras, 02/01/1986
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

O que será?

Se ser poeta é isto de sofrer,
Diz meu amor, amar o que será?
Será isto de te querer, chamar-te má?
Ou cantar e sorrir só por te ver?

Será este desejo de correr
Na busca do que a vida me não dá?
Ou este navegar de cá para lá
Naufragando no mar de te perder?

Será que é este sonho, tão sonhado,
De caminhar contigo lado a lado
Na procura do mundo onde morar?

Amar-te o que será? Talvez só isto,
Beija-me amor porque não resisto
À saudade dos beijos por trocar!


Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Não perguntes amor

Não perguntes porquê, porque não sei
A razão da ternura que me inspiras,
A razão desta dor por que chorei,
Ou desta falsa coragem que admiras.

E falo e canto, embora tu prefiras
Os poemas de silêncio que cantei
E assim calo, afogando em brandas iras
O grito por gritar que eu não gritei.

Mas hoje meu amor não vou calar,
Porque hoje meu amor eu vou cantar
O amor que em poema transformei.

Tudo começou talvez com um olhar ...
Será que houve razão p’ra começar?
Não perguntes amor porque não sei!


Oeiras, 29/02/1984
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Resto de vida

Nesta vida vazia em que me gasto
Vou construindo a vida que não vivo
E o ideal de sonho que persigo
Perde-se ao longe sem deixar um rasto.

E neste caminhar em que me arrasto,
Nesta luta de mim para comigo
Eu parto e fico ainda mais vencido
Que para mim de mim é que me afasto.

E vou gastando a vida que não tenho,
E vou perdendo a luta em que me empenho,
E vou ... e vou ficando sempre assim ...

E este resto de vida que me resta?
Ah! Vou gastá-lo porque já não presta
Pois dei-te tudo quanto havia em mim!


Nogueira Pardal, Caderno nº 33

O último soneto

O último soneto do poeta,
Do resto de poeta que eu não sou,
Do resto do amor-resto que te dou
Será o meu soneto mais pateta.

E mais um verso amor, seria a meta
E mais um beijo amor – quem o trocou?
E o leito que sonhámos, onde ficou?
E o céu amor, do nosso amor cometa?

Neste soneto amor, ainda te canto,
Num canto que não sei se é canto ou pranto
Mas onde tudo e nada te prometo.

Recebe amor o amor que faz sofrer,
Recebe a vida-resto por viver,
Recebe amor este último soneto.


Oeiras, 16/04/1974
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Nu

Despi-me na rua do teu corpo
E nu de mim fiquei à tua espera,
Mas que espera um corpo quase morto
Que lhe traga de novo a Primavera?

Nu de mim, vazio de ti e absorto
Quedei-me nesta dor que desespera,
Sem saber se nasci ou sou aborto
Se o meu futuro ainda é ou era!

Nu de mim estou, porque não sei
Vestir-me do amor que te não dei,
Cobrir-te com o amor que me inspiraste.

Vazio de ti estou por não beber,
Na fonte dos teus olhos, do teu ser,
A água pura que em sorrisos me enviaste.


Amadora, 1961
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Autobiografia

Sessenta anos depois já não sou eu
Sou um outro qualquer que a vida fez,
Que o filho do carpinteiro que nasceu
P´ra carpinteiro, perdeu-se de vez.

Porque é que o carpinteiro se perdeu?
Porque é que a sua vida se desfez?
Porquê nada de bom aconteceu
A alguém que só quis ser português?

Ser português inteiro, saber ler
E escrever e sorrir e até cantar,
E ter pão e ter voz, ter liberdade!

Sessenta anos depois resta-me ter
A vã esperança de vir a encontrar
O homem que sonhou ser só verdade.


Cova da Piedade, 23/08/1999
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Nada

Mirei-me no espelho do meu quarto
Pensando poder ver-me como sou,
Porque sou o que fica quando parto
A imagem de mim não me chegou.

Se sou o que não é, sendo o que estou,
Se ao caminhar p’ra mim de mim me aparto,
Se cavalgo o corcel que já parou
E se de mim eu próprio já estou farto!

E se afinal eu quero o que não quero,
Se por nada esperar ainda espero,
Se sou vida perdida e encontrada,

Se digo apenas sim ao dizer não ...
Porque é assim que sou, eis a razão
De ao mirar-me no espelho só ver nada!


Aljustrel, 1958
Nogueira Pardal, Caderno nº 33

Poema

Quando tenho saudades de ti
Não, não choro, não vale a pena
Pego na caneta, no papel
Invento as linhas de um poema.

Um poema, que fala, que sente
Que também tem sua voz
Um poema que diz
Amar é nunca estarmos sós.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Quem és

Quem és tu?
Que maltratas meus sentimentos
Fazes-me chorar
Apenas uma feiticeira a quem
Não consigo deixar de amar.
Onde tudo estava esquecido
Onde não havia ilusão
Entraste como bandido
Roubaste meu coração
Com ele fizeste um sonho
Cheio de cor e fantasia
Mas, apenas um toque
Acordei, desfez-se a magia.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Lamento

Nesse imenso pranto
Em que o mar se murmura
Meus suspiros vou deixando
Dessa minha tortura.

Óh mar não te lamentes
Enquanto, as areias vais beijando
Eu, quero não posso ter
A quem tanto vou amando.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Sem ti

Sentado nas rochas
Oiço as ondas bater
Acompanhando meu coração
Com saudades de te ver.

Na areia, em espuma
Vejo ondas rebentar
Só não te vejo a ti
Para te poder amar.

Baloiçam no grande mar
Sempre a mesmo preceito
Quanto daria também
Para baloiçar no teu peito.

O mar contou-me um segredo
Ao qual não me oponho
P´ra nunca deixar de amar
Seguir sempre o meu sonho.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Tempo

Quando de teus olhos
Faíscas de luz
Minha alma em transe
Meu corpo seduz.

Quando de teus braços
Carinhos, devaneios
Meus sentimentos enaltecem
Meu corpo estremece
Em desejos, que em ti leio.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Quando

Quando de teus olhos
Faíscas de luz
Minha alma em transe
Meu corpo seduz.

Quando de teus braços
Carinhos, devaneios
Meus sentimentos enaltecem
Meu corpo estremece
Em desejos, que em ti leio.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Mensagem

O Sol te mandei
Numa mensagem escrita
Sorrindo eu aceitei
Tua resposta bonita.

Chamaste-me poeta
Acolhi com emoção,
Mas da luz dos teus olhos
Vinha a minha inspiração.

Sempre que a luz dos teus olhos
Embala sorrisos meus
Sente-se o Sol ciumento
Esgueirar-se do alto dos céus.

E quando falas de mim
Suave som de melodia
Meu coração sorri feliz
Para a luz do novo dia.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Sentidos

Na estrada da vida
Correndo contra o tempo
Achando estrela perdida
Caída do firmamento.

Minha alma se ilumina
Sempre que o espírito sorri
Meu coração bate forte
Sempre que escrevo para ti.

As palavras pouco importam
Quando evocam mil razões
São pobres, sempre vagas
Despidas de emoções.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Luz nascente

No nevoeiro serrado
Encontrei-te amor
Coração magoado, onde
Sofrimento, é dor.

Que frio percorre meu peito
Não sinto seu trespassar
Quando sonho, é ilusão
De quem se esquece de amar.

Quando as luzes escurecerem
Minha alma negra e viva
Só tu serás luz nascente
P’ró resto da minha vida.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Nuvens

Farrapos, que o vento arrasta
Escondendo o astro rei
Nesta tarde de Outono
Levando de mim, lembranças
Que de ti guardei.
Ao longe se adivinha
O fresco que a noite trás
Onde, pensando escrevo
O retorno dessa paz.
Ó paz não te conheço
Quando tanto por ti anseio
Procuro-te como vagabundo
Neste sonho, onde vagueio.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Solidão

Nesta minha solidão
Escuto o murmurar deste mar
Onde de mansinho as ondas
Suas areias vêm beijar.

Quando o sol vai espreitando
De entre as janelas do céu
As ondas, és tu meu amor
Areia queria ser eu.

O sol, se escondeu
Deixando no mar seu prelúdio
Meu pensamento em ti, procura
Num lamento, meu último murmúrio.


Humberto Santos, Caderno nº 32

Fazes sangrar meu coração

Meu querido que tanta dor ...
O meu pobre coração suporta.
Dor essa, meu grande amor,
Que não sendo apenas dó dor ...
É tudo aquilo que ofereces,
Em troca do meu amor:

- Ela é angústia, é desvalor,
é despego e desamor... ela é
engano, desgraça, descontentamento,
ela é um vaivém ... com tanta gente!!!

Se estás feliz com essas fitas
de estreitas e largas tiras:
incorporadas de vaidade, desventuras e
mentiras, então caminha ... caminha em frente,
para o escuro! ... E olha, olha em redor
e verás a orla negra que aperta o meu coração
e o faz sangrar. E atira... atira aos cães,
os farrapos do meu coração ensanguentados,
para que eles, se transformem em lobos
famintos e sequiosos de gotas salgadas,
que dos teus olhos, irão cair, quando o meu
dorido coração, o teu despertar!


14/09/1990
Isabel Moreira, Caderno nº 31

Agradecimento

Meu Deus que felicidade...
Tinhas para mim guardada!

Depois de tantos anos,
Tantos meses a sofrer...
Tantos dias de amargura,
Tantas horas sem as querer!
E tantos minutos, meu Deus,
Tantos que eram, uma só dor...
E os segundos, esses, Senhor?!

- Eram tantos os enxames
que se transformavam em dor!

Hoje que tudo passou ...e que
Com a felicidade me contemplas
Eu sinto, meu Deus, que perdoo
Àqueles grandes dementes:
Todos os dias de amargura,
E a felicidade que me ofereces.





04/05/1990
Isabel Moreira, Caderno nº 31

A vida de uma semente

Enquanto grão, fui à terra lançada,
depois da mesma, cavada, mexida...
Fui na terra semeada...!
E na terra fui regada...
quando já estava crescida.

Criei raízes, caule, folhas, flores;
e voltei a ser semente...
No ano seguinte:
- Voltei de novo à terra molhada ...
e de novo fui para o saco ...

Mas, a espera é grande e,
todo o meu corpo, secou de sede,
até voltar, de novo, à terra molhada!
Depois de multiplicada ...
Fui de novo semeada ...!








04/08/1984
Isabel Moreira, Caderno nº 31

Flor arrastada

Foste flor bem nascida,
De terra pura gerada...
No bem... do mal, bem guardada.
Pela vida nunca vencida:
- Que outro mal fosses na vida,
Que fresca flor desdobrada ...
Por uma mão desfolhada!

Com malvadez foste puxada...
E pelo chão arrastada! ...

Pura flor ... que mal tratada! ...
Pura flor ... muito lutaste! ...
E os espinhos que cravaste,
No malvado, como espetada:
- Ainda foram suaves, digo eu,
Pois, os ossos não se magoaram
Nem o coração se compadeceu, pelas
Rogativas, que as pétalas suplicaram!






17/10/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 31

Eu sou, só amor!

Amor ... Amor ... Amor ...
Eu sou, só Amor ...

Eu sou uma fria gota de orvalho,
Numa manhã fresca passeando ...
Sobre um prado verdejante ... um carvalho ...
Uma estrela do meio dia, sonhando ...

Eu sou, só Amor...

Eu sou uma flor ... um botão de rosa,
Um malmequer dobrado, uma canção, ...
Eu sou uma fonte de beijos, luminosa,
De brilho fusco ... em forma de coração!

Eu sou uma grande concha do mar,
Uma pedra redondinha ... na areia a rolar!
Eu sou uma pobre alga marinha,
Embalada nas ondas do mar ... sozinha!

Eu sou, só Amor ...




08/08/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 31

No último raio de sol

O sol reflectia, nas ondas calmas
do rio Judeu, onde,
as gaivotas alegremente esvoaçavam,
parecendo de prata.
Os castelos de nuvens corriam no céu,
a favor do vento, e pouco a pouco, o sol,
ficou num azimute avermelhado,
dando lugar à fresca noite
de Primavera.

No jardim, as crianças davam a última
volta no escorrega ou no baloiço,
gritando:
"Só mais uma, só mais uma! ..."

Os candeeiros na marginal,
davam as boas-noites.
Os pássaros chilreavam no ar, procurando,
nos ramos das árvores, abrigo,
para descansar ... e eu, olhava o horizonte
ainda resplandecente de luz ...




25/04/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 31

Encontro marcado

Na elegante e gigantesca Praça
de Saldanha, onde a circulação
se faz freneticamente, estava
marcado o nosso encontro!...
Os ponteiros do relógio estavam
na vertical...
Os nossos corações,
batiam acelerados e ignívomo a
sentidos diferentes.

Corri os meus olhos
por todo o espaço,
à minha frente ...!

Olhei-te! ... Vi os teus olhos,
ainda distantes, e neles li
a esperança, de algo,
que não entendi ...
... ... ... ... ... ... ...






11/03/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 31

Liberdade

Amor, aguardar o toque do telefone
é coisa que eu, não quero mais sentir;
porque o meu coração, bate
numa angústia incomensurável
e o meu peito, recusa-se
a aceitar tanta dor!

O meu cérebro, guiado
por este forte sentimento,
chegaria à dependência:
Do meu coração
Do meu corpo
Do meu existir...
Não! Não quero ser
dependente de alguém,
que em troca do meu amor,
me dá, uma mão cheia de posse!

Se para te amar, é preciso depender
de ti, a minha existência, eu,
quero ser livre e ignorar-te.
Deixa, não tenhas pena,
eu não estou só!
- Tenho comigo a LIBERDADE.

02/12/1982
Isabel Moreira, Caderno nº 31

Só nós e a natureza

Foi em Setembro que te conheci!
Fazia frio na atmosfera,
mas, no meu coração
existia calor ...
calor, de um amor adormecido
que despertava!

Olhei-te nos olhos ...
- redondos e tão brilhantes -
- Meu Deus!
Pareceram-me diamantes.

A tua boca ...,
Essa, entreaberta ...
Era uma romã
Salpicada de lágrimas
Que dos teus olhos brotavam
Como gotas de orvalho!

- Em nosso redor não havia ninguém.
Só nós e a Natureza!

O mar, ora calmo ora agitado,
Embalava entre as ondas,
Os rochedos adormecidos!
O sol, por entre as nuvens
Aqui e ali espessas,
Espreitava-nos sorridente.

- Foi em Setembro ...





02/11/1982
Isabel Moreira, Caderno nº 31

Esperança

Da esperança que existia
resta agora a fantasia
que eu tenho,
por não te ter!
Essa fantasia de agora,
junto à esperança de outrora
perfazem no meu coração...
o sentido,
de eu te ver.

Esse sentido bendito
que longe do Mundo
por ti eu fico,
pensando, por mim,
o teu querer.

Esse querer que senti
ausente, de mim,
e tão de repente
que não sei,
que nele ver!




22/09/1982
Isabel Moreira, Caderno nº 31

Uma tarde no campo

Eram cinco horas da tarde!
No céu, as nuvens corriam
em castelos, cor de sêmola,
e nós corríamos pelo campo,
entre rosmaninhos e pétalas,
brancas de estevas, onde,
o sol quando a quando,
espreitava, sorridente ...

Junto de nós, como que um raio de sol,
saltitava, por entre cardos e giestas,
uma Pekinoi de pêlo alto acastanhado.

Os grilos do campo, cantavam
uma doce melodia, entre rochedos
esverdeados de limos secos, de onde,
brotava uma límpida, corrente de água fresca.

Nós alegremente pousamos
sorridentes, e fomos, por uma
máquina miniatura, fotografados,
no conjunto com os verdejantes
rebentos silvestres.


02/06/1982
Isabel Moreira, Caderno nº 31

quinta-feira, 20 de novembro de 2008

Natália,

Não gostas de ser descrita
como uma mulher bela e sedutora,
preferes a dama inteligente e insubmissa
que escreve de uma forma avassaladora
e é o pesadelo de qualquer homem
[apaixonado...

não gostas da vulgaridade,
espalhas o teu ser diferente
pelas ruelas e bares da cidade...

Na bruma de um cigarro
matas a secura quase infinita
com o líquido ardente que te aquece...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Camões,

As palavras, a espada e os amores
deram-te um bilhete para o mundo
ao lado de marinheiros e navegadores
e alimentaram a tua alma de vagabundo

O oceano lavou-te a alma e o coração
numa longa caminhada para Oriente
distante da calúnia, inveja e perdição,
ao encontro de gente muito diferente

No meio da viagem surgiu-te a inspiração
após um encontro profético e assustador
em que surgiu no meio do mar triunfante
um gigante a quem chamaste de Adamastor

É assim que começa a tua aventura literária
onde relatas o mundo português
exactamente como o vês

Quando regressas ao nosso país
os eruditos desvalorizaram a tua obra poética
Que se imortalizou, tal como tu, de uma forma
[épica!...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Torga,

O pulsar das montanhas,
sente-se,
nas tuas palavras,
cobertas
por pedaços de granito
utilizados para disfarçar a revolta,
a dor e a indignação,
de viveres num país confuso,
quase parado
que finge estar em revolução,
e é, constantemente, adiado!...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Pessoa,

Tantos retratos inacabados
nas profundezas de um copo vazio
na procura incessante um rosto certo,
tanto podias ser Alberto,
Bernardo, Ricardo, Álvaro
ou outro sujeito qualquer
nunca Fernando!...
Porquê, Pessoa?...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

David,

Tuas palavras foram
quase tudo...
Uma história, um poema,
um fado e uma canção...

Tuas palavras foram
quase tudo...
Um filme, uma peça de teatro,
um ensaio e uma paixão...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Herberto,

Tu
pássaro livre,
homem sem amarras
que espreitas para lá
das colinas da cidade
e navegas na tua barca
ao redor das ilhas secretas!...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Florbela,

Mulher doce e amarga

refém de palavras belas e sofridas
e também de aventuras amorosas,
fugazes e perdidas...

Mulher próxima e distante

refém de um tempo masculino
sem espaço para sentimentos
ou devaneios pintados no feminino...

Mulher apaixonada
capaz de amar perdidamente...

Mulher poema
capaz de escrever de uma forma
[diferente...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Alegre,

A minha praia é tua,
a tua praia é minha...

Porque a nossa Foz do Arelho
é muito mais que um sonho salgado...

É uma grande e bela balada selvagem
que fura a neblina e mostra o mar
[verdadeiro
com ondas brutais que nos levam de
[viagem
para lá do nosso coração marinheiro


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Zé Gomes,

Podias ser apenas um rei
das palavras e dos sonhos,
mas não...
És um irmão
e um companheiro
de todos os vagabundos,
e, sobretudo,
um «João sem medo»...
de navegar pelos mundos!...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Ary,

És um cavalo à solta,
corajoso,
robusto e inquieto,

Com vontade de
correr o mundo
de lés a lés,

À procura
dos sonhados
campos da liberdade!...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Zeca,

A madrugada começa
com a tua voz que ilumina toda a casa...

Abraço as tuas palavras,
uma a uma,
tão belas, corajosas,
sofridas e acusatórias
de mil e uma atrocidades
cometidas um pouco por todo o lado
pelos «vampiros»,
sem rosto ou idades...

Elas clamam por um mundo novo,
onde a paz e liberdade
não sejam constantemente
esquecidas no campo e na cidade...

E o melhor de tudo...
é descobrir a razão...
do teu canto continuar a ser
uma das mais belas
«armas da revolução»!...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Sophia,

O mar azul e branco
torna-se mais expansivo,
e tocante,
depois de sentir
a luminosidade,
o perfume
e o encanto
das tuas palavras...


Luís Milheiro, Caderno nº 30

Mulher

A orla do teu vestido
serpenteia pela sala
a ilusão
da elegância


Fernando Morais, Caderno nº 29

Bushadas...

O Bush é uma bruxa com cara de símio espiolhado
Defende os valores do paizinho falecido
O Bush desembucha a sua mágoa antiga
politicamente é um invertido

Quando fala abre a boca como se fosse humano
quando anda mexe as pernas como um normal
mas que ninguém se engane com este fulano
não é pessoa como nós, nem meio-animal

É uma posta de peixe podre que o gato recusou
é uma “virago”, uma excrescência de víbora falhada
é um resto de comida que o diabo vomitou
é as entranhas duma hiena decepada


Fernando Morais, Caderno nº 29

Somos nós

Somos nós que passamos pelo escuro
onde vive o povo pobre e doente

Somos nós a classe média obediente
às ordens dos que mandam sem mandar

Somos nós que temperamos o país
Que ao desbarato foi vendido

Somos nós que exploramos o trabalho
e vergamos, aos tolos, a cerviz

Somos feitos da canalha donde vimos
aprendemos a lidar com a desordem

Somos nós indispensáveis a quem manda
para que tudo continue na mesma

Somos nós algozes sendo vítimas
no rolo compressor estamos a meio

Se isto um dia estourar pelas costuras
a canalha dirá que somos pulhas

Somos nós que instituímos o progresso
no corpo social criamos abcesso

Mas não sabíamos que a velha teoria
teria uma prática controversa

Não víamos o futuro através deste presente
nem apostamos nos valores do passado

Somos nós que incensamos insensatos
e sorrimos quando a louça fica em cacos

Somos nós os queixumes colectivos
Que motivamos os roubos, os assaltos

O gamanço, a heroína, a falcatrua
O arrendamento da mentira, a mulher nua

E nunca somos responsáveis da derrota
E não nos revemos na greve nem na luta

Somos nós que fizemos o infantário
para que o trabalho não fosse interrompido

Somos nós que pagamos os incêndios
mas não apagamos erros cometidos

Somos nós que fabricamos as verdades
as justiças a meio e as desigualdades

Somos nós que sacrificamos o país
em nome do nosso sacrifício

Somos nós que construímos de raiz
a fábrica do mal, a fábrica do vício ...

Somos nós os últimos da Europa?
Porquê?

Será por causa dos governantes que temos?
Será porque os Doutores, Engenheiros, Diplomatas, Banqueiros
são portugueses?
Mas os homens do Dinheiro não têm nacionalidade, nem Pátria.
Será porque os padres, freiras, dirigentes do futebol,
os correios, a televisão, os comboios, o cimento,
estão sem pátria como os donos dos hotéis, das estradas,
como os locutores, os patrões das Câmaras, das Juntas,
como os agentes funerários, os hiper-mercados, as polícias
e as clínicas privadas?
Os gestores comerciais que temos
os ladrões e as ladras que temos
os árbitros e outros juizes que temos
o juízo que já não temos
as pensões e restaurantes que temos
os telefones públicos que temos
os mestres de obras que temos
os sindicatos amarelos que temos
os fulanos dos impostos, paneleiros que temos
as senhoras das finanças, as putas que temos
e todos aqueles que roçam as costas nas ante-câmaras
e os cotovelos nas secretárias, as meninas nuas
a mexerem as pernas nos palcos que temos
e os ministros que temos agora e alguns dos outros
que já tivemos ... só têm esta prática porque ainda não roubaram o
[suficiente
para mudar de país ...

Diz-se, porém, que já fomos bons em muita coisa:
Tínhamos o melhor azeite do mundo
o melhor trigo, quando a farinha não vinha de Espanha
com sete meses de camião frigorífico ...
Tínhamos o sol mais lindo do Mundo
e a Rosa Mota a fugir à polícia era imbatível
o Vinho mais bem tratado e envelhecido
As aldeias mais catitas do planeta
a água mais benéfica da Europa, as tangerinas e as castanhas
o luar, a poesia, e os touros que não morriam na arena
Tínhamos o fogo preso, a cor das flores,
os frutos verdadeiros, a língua da sogra e os pastéis de Belém,
os tremoços de alguidar, as amendoeiras em flor,
os bonecos de barro, o cagão e o pescador, o frade das Caldas,
o Zé Povinho, os azulejos parolos: se queres fiado: toma!
O medronho, as Cavacas, as ginginhas pela manhã,
O pão de ló, as barricas de ovos moles,
a sardinha assada, as pagelas da comunhão, os terços de
[alfarroba,
os garnizés, os moliceiros, o presunto de Lamego,
as cantigas ao desafio, o barco rabelo, as tasquinhas do porto,
o granito da Madalena, o caralho das Caldas
o Carlinhos da Sé, os Zés Pereiras, as procissões cantadas,
as bandas de música no jardim, o estilo manuelino,
o Vasco Santana e o Hoquei em Patins ...
Mas isto tudo nunca soubemos enaltecer o que tinha de beleza
[simples
de original e Agora?
somos os últimos de quê? Da Europa da droga e da promiscuidade
política? Agora atiram-nos com um osso roído,
e uma côdea de pão seco ressequido
e olham-nos como dantes nós olhávamos para os pretos ...


Fernando Morais, Caderno nº 29

Não te estendas, que a cama é curta

A Europa é
onde vamos com outras caravelas de cartão
pelo oceano do asfalto.
Europa manta de retalhos
antigamente republicana e progressista
hoje pê pê dista
a tirar-nos direitos conquistados
governa-nos através da têvê
e do telemóvel
E os emigrantes com os cães à perna
e polícias de viseira.
Eu ropa, ela ropa enquanto os povos
estiverem cegos
perante a derrocada dos valores
Dormimos com os nossos euros à cabeceira
a pensar que o dono dela
vai chegar aí, cheio de armas
e vai reinar nos nossos Casinos
nas nossas discotecas
com os seus cow boys do regime
e nós, cada um a puxar pela ponta
ficamos com os pés de fora
não te estendas que a cama é curta ...


Fernando Morais, Caderno nº 29

A besta

Para chegarmos lá, onde já estivemos
vai ser dura a luta, e mais que esta
vai ser preciso inventar outro país
construir pedra a pedra, dia a dia
palavra a palavra em agonias tórridas
gesto a gesto em caminhada intensa
o gosto de viver –

Mas muito mais que o gosto
tem de ser a madressilva e a hera
e muito mais que plantas, jardins largos
onde se dêem mãos e mentes limpas
assobiando ao ar e às brisas
a levantina arte de aprender
a sermos portugueses –

Mas muito mais que portugueses ser
teremos que viver em ordem e respeito
e tocar os clarões e oboés, as cítaras
de oito milhões de desesperados
de servos sem futuro e sem presente
de rastos e servis, corda ao pescoço

Para mostrar aos detentores do poder
que chegou a hora de tudo religar
tudo reaprender, inaugurar, medir
sem dinheiro, sem mentira, sem alarde
serenos como anjos de poesia
outras ideias de justiça, lealdade
com outros ideais de repelir o falso
com outras certezas de nunca fingir
que acreditamos neles ...

Para mostrar que nenhuma solução existe
na demagogia das usas touradas espanholas
nas prisões semi-abertas e fechadas
em que enjaularam o povo pervertido
neste bazar de doidos cadavéricos
neste pântano de gibóias e de gritos
onde atropelamos pais, irmãos, amigos
e rimos alarvemente como suínos
da nossa podridão infecciosa ...

Para chegarmos lá vai ser preciso a dor
de morrer pelo nosso Portugal vaiado
por este país de nojo e de repulsa
que engorda o monstro da incompetência
que aplaude a incultura e o mau gosto
que ofendeu a Língua para sempre
que cuspiu nossos heróis e mártires
e nos santos violentados nas prisões
e nos órfãos renegados e proscritos
e na Mulher ofendida e maltratada
debaixo do cadafalso da escrita
dos escrivães da penitência e da lisonja
do remedeio, desenrasca, analfabeto ...

Vai ser preciso fazer de nós exército
das armas do amor desinteressado
dos voluntários contra a estupidez
dos jovens sublimes e estudiosos
com bandeiras mais altas do que a lua
agitadas pelos ventos da razão
tremeluzindo ao sol da gente lusa
e voltar ao ponto de partida ...

Para chegarmos lá vai ser milagre feito
e muito mais reformas, que remendos
que charlatães com medo da verdade
que justifiças de rico e de falsário
vai ser necessário apagar as cinzas
plantar de estacas o homem verdadeiro
o que aprendeu, da terra a semente
e do livro, a luz magnificiente
e da vida, a solidariedade
o que está pronto a tudo pôr em causa
indo até à fusão do átomo na ajuda
a pôr de pé a lusitana gente ...

Que melhor morte podemos desejar
À besta irracional que nos governa?


Fernando Morais, Caderno nº 29

Nas tardes ascetas...

Se souberes duma rima nova
não ma tragas cá

Se tiveres uma noite insónia
não venhas com ela

Porque, aqui, neste rincón de poetas
de lantejoulas e de vira-ventos
assobiamos todos contra emolumentos
nas tardes ascetas.

O que aqui se dá nem aqui se vende
turistas não põem pé nestes lugares
não sabem sequer da nossa existência

temos um portal onde mora o sol
temos a lua a cair do monte
falamos a língua que ninguém entende

Se souberes dum verso da cor da romã
se souberes da música da flauta de Pã
passa cá um dia

mas vem nu de choros, sem roupa de burlas
que nós temos cantigas, sinfonias, coros
aromas de amor às feiras segundas

Se sabes duma rima nova
guarda-a para ti

que nós vivemos na terra batida
na terra de aqui

Onde pára o vento a dormir a sesta
e me sustento de tudo que é são
debaixo do céu

aldeia moderna que rasgou o véu
da antiguidade


Fernando Morais, Caderno nº 29

Olhar

A cidade a Água: olho límpido
Acendem-se as luzes perto do mar
Secreto neste reino de verde-Água
estendo crinas densas
e misturadas de cavalo-marinho

Sou límpido de Olhar sou Olho de Água
Sou navegar das rotas preferidas

Sou de olhar as luzes na paisagem


António José Coutinho, Caderno nº 28

Psicofãs

Dançarias (dizem) por um punhado de atenção?
Olhem: rolam ali trocados
e estilhaços puros do destino
Evasivas chances multicolores
Sistemas políticos e marketing
Nuance nua: danças do futuro
Alguns ídolos se movem rente a paredes de
[parafina
Fixarão o espectro solar?
Sentido pressão: de qualquer forma
as coisas verdadeiras e centradas
envoltas pela fé no invisível
me acordam com estrondo desde sempre
Sei que não estou só e o mundo é pequeno
Descer ao palco sem motivo?
Olhem: tantos como moedas inseridas
na ranhura para dentro do círculo
Desenhar em papel transparente?
Psicofãs se agitam
Rumo a qualquer roda do destino


António José Coutinho, Caderno nº 28

O olho e a lâmpada

Há um fogo íntimo na maré da lágrima
Deflagração das imagens
enquanto sob esta luz eléctrica me diluo na
[Esperança
Vejo o ângulo luminoso que abriga sob abismos
[verdejantes
o santuário amado e cortinas
que não traem as lâmpadas frias
que estremecem a chuva nas ruas

«ÁGUA NOVA VIDA VEIO VER-TE»

Sob o balanço equidistante dos ramos
Aquáticos dos meus gestos
Dou à praia nas paredes pintadas de Maresia
Vejo uma amurada aqui como lá em baixo ao sul na
[praia
ao longo do sono: pulsando
a energia das coisas


António José Coutinho, Caderno nº 28

O quarto

Me levanto acendo a luz desfolho um livro
algo sobre os paraísos artificiais: também uma
[Poesia
de Arnaldo Antunes sobre a Imagem sobre o Corpo
que observa sobre a Luz que vislumbra
Eu em Águas profundas
Algo estala no meu quarto em silêncio
Ir agora arrumar uns livros exalar
O perfume do que haja de mais sagrado


António José Coutinho, Caderno nº 28

Páginas memórias de António José da Silva (1705-1739)

1. Sou eu reduzido a uma criança
derradeiro viajante da memória achado à saída da
[nau “CALENDÁRIA”
virando inclinadamente nos argaços pelo Trópico
de Capricórnio entre os galeões
aportados ao largo do Rio de Janeiro
transparente e límpida cidade debruçada em
[planície
pelas paragens do antigo engenho arruinado entre
[os canaviais
de açúcar onde o tempo deixara finalmente de
[passar
naquela casa-grande abandonada: só a erva crescia
[lá fora

2. Consumo ainda a luz
deste lado do tempo onde plantei este
invólucro de cinza lançado ao ar
ânsias gestos poluídos me assassinaram
sem rodeios possantemente inquisidoramente
até descer a noite sobre este corpo a morte
a última venenosa marcha
Eis que a bruma soprada do Mar se mistura dentro
das vossas
projectadas para imolar a Água
ou mesmo tranquilizar o meu cristal de fogo
[intermitente

3. Os passos arrefecem descendo sob as pontes como
[lanternios
e os Noivos trazem flores de torangeira
desabando véus de incontidos néctares e espumas
[de trigo
sobre os ombros dos padrinhos
que ficavam à esquina a festejar
sem perceber já hoje como passou pelos rostos a
[lâmina da alegria

4. Acordam por mim as luzes de Hannouhah
Sou eu no fundo dos vossos dias nunca venho só
entre as vertentes da saudade que desci
[lentamente desde essa superfície
inabitada em quase trezentos longos anos

5. Fui revolta envolvente pressentida incapaz de reduzir a
[paz
vigilante servo da insubmissa luta crepuscular
de Israel com a margem angular das sombras

6. Olho deste país para os passos sob a chuva estreita

7. Fui de círio aceso até ao dobrar da esquina do claustro
desterrado galeão entre as pétalas da àgua que o
[mensageiro da morte
não fez mais que aportar à origem


António José Coutinho, Caderno nº 28

Rota Brasilis

Amanhã serei hoje
Olhar-me-ei com toda a vaidade
Como há muito tempo o meu Pai
sob os cartazes e o vidro das grandes esplanadas
ou o meu Avô no cromado das grandes barbearias
à medida que um vulto achado no meu espelho
me lembrar de dormir escondendo as olheiras
velando através dos meus dias
Mudarei assim pelas rotas do Brasil uma manhã
debruçado entre as linhas inequívocas duma casa
[enraizada de pássaros
como os homens de Luís Fernandes em 1502
entrados perdidos com uma nau dez léguas para
[fora
do mundo conhecido numa grande foz –
naufrágio de chegar exactamente ao nada
[meridional
de cavalos-marinhos fazendo soçobrar
um batel de mareantes pela primeira vez
à sombra do quadrante em Delagoa-Bay
Assim irei adormecer quebrar o selo que sinto
ao me ver pela vigília do Tempo
a prolongar os jardins suspensos num terraço
conversando à luz contigo
a trautear as sonatas diluídas para os órgãos de
[Água do ar

Me vejo água-marinha sobre um pano negro de
[areias múltiplas
me arquear desígnio da reta destemida do fragor
[duma sílaba
num oceano transbordante de transfiguração
dissolvendo numa espiral efervescente
a superfície marcada pela solidão mais íntima
distribuída por algumas vozes submersas
rentes sobre os muros de atlântica esperança:
de canção cujo Eco
as sereias devolve
Amanhã serei hoje


António José Coutinho, Caderno nº 28

Despertar

A presença aromática da Manhã
e assim a planta majestosa
de acordar meu vegetal vestígio
até aos cumes da Luz
na coragem das flores

O sorriso aromático
nas provações – a líquida cor
do orvalho sobre as ervas
E meus pensamentos como
pequenos animais na natureza –
movimentos do vento das estações

A luminosidade a clareza – a
Beleza das coisas que não digo
Minha poesia grava o Amor
dos lagos de neve sob o sol
a cerimónia das nuvens sobre a terra

E os olhos antigos algumas vezes
longe da expressão do Rosto
agora os deixo para tomar
os Beijos ocultos da Esperança


António José Coutinho, Caderno nº 28

Canção

Tranquilas notas de música
transparentes e tão belas como frágeis
habitantes vêm do coração
Ah os vidros sempre familiares
na rua nas horas lembram asas
onde os minutos escoam ...

Anuncio o Homem Ouro – Puro
No ar do Tempo a voz do Espírito
faz reflexos
de passos no destino de marulhar assim
sobre caminhos de silêncio ... Sei
da lâmpada da vida nas palavras
fechadas até hoje na
natureza que se ama

Oh é possível subir a montanha
e também descer ao vale
para o meio
dos frutos: conheço a certeza
Homem que chega junto da sua
Alegria de límpida íris marinha
Com seus tesouros do mar e maravilhas luminosas ...

Agora na verdade dos espaços
(profundidades de árvores e ventos)
inteiro todo Bem ...
Tranquilos refinem os dias e o corpo
plantado longe dos muros da noite –
os olhos a Imagem que se olha
e se pensa e
meu íntimo transborda as vigílias do silêncio


António José Coutinho, Caderno nº 28

Pluvial

«Eis o Mistério ao pé de ti!»
(Fernando pessoa)

Há fontes puras dentro do Olhar
Luz rendilhada plantas em arcadas
de perceber baías na Imagem
Lugar que não se esgota mas Renasce

No Perfume dos Círios de Deus
Piscar de olho santo ... existe o fio
no Íntimo das coisas como um leito ...
São linhas de incenso as Orações

A Madrugada agora é entrever
géneses verdes papiro no deserto –
desenhos oceânicos na pedra

Nevruras cintilantes aclaradas
por cima das muralhas do Destino
Estrada sob a chuva ... Terra d’Águas ...


António José Coutinho, Caderno nº 28

Os teus dedos largaram

Os teus dedos largaram
dores salgadas nas gavetas
e eu, contraído,
senti uma tristeza enorme no meu sonho


António Toscano, Caderno nº 27

Rasguei o teu lume interior

Rasguei o teu lume interior.
atravessei infindáveis sonhos ...
o teu rosto, profunda ausência,
descoloriu memórias enjauladas!

Ficou-se-me o corpo,
amarelecido
e, no papel, monólogos
perdidos numa noite esquiva!


António Toscano, Caderno nº 27

O teu rosto

I

O teu rosto
carregado de noites.
A tua sombra
nítida de sonhos.
Os meus lábios,
inundaste-os de sombras.
Os meus sonhos,
sepultaste-os na noite!

II

Tu foste a beleza mascarada
do meu desespero insípido.
Quando as palavras cessaram,
soltaste-te com o vento
e perdeste-te no esquecimento
de um sonho artificial.


António Toscano, Caderno nº 27

Quando a noite cresce

Quando a noite cresce,
há mantos de pó
na penumbra do teu sonho.

Quando a noite desaparece,
aos poucos o sonho vai pairando
e em pontos minúsculos funde-se com o
[sol ...


António Toscano, Caderno nº 27

Eles preparam a noite

Eles prepararam a noite,
os sonhos imutáveis,
o amor simulado
das memórias ilimitadas.

Eles possuíram a noite,
as memórias abandonadas,
os sonhos irreais
dos que se amaram por palavras!


António Toscano, Caderno nº 27

Amanhecemos separados

Amanhecemos separados.
A cidade imensa de promessas,
Corpos em sangue e, alucinados,
deambulámos por mil memórias.

Olhas-me fixamente.
Um espaço fechado abate-se sobre nós,
corpos rígidos e, indiferente,
reencontro-te num sonho remoto.


António Toscano, Caderno nº 27

O teu corpo ausente

O teu corpo ausente.
Os meus gestos doridos.
E da cama em que te tive, quente,
abraço o pó dos teus gemidos!


António Toscano, Caderno nº 27

Outras noites atravessaram-me

Outras noites atravessaram-me
o teu corpo em memória.
Procurei o teu rosto
e só encontrei um lençol de sonhos...


António Toscano, Caderno nº 27

Foste mulher viúva

I

Foste mulher viúva
e choraste a morte o meu corpo.
Suspiraste os teus lamentos
nas fotografias de outros tempos.

II

Para lá destas fotografias,
o tempo parou bruscamente
e, dos risos de nossas bocas,
ficou o silêncio da nossa impotência.

III

As tua noite cheira a sonhos,
desejos acumulados
de encontros empoeirados
da memória de nós dois.


António Toscano, Caderno nº 27

A noite!

A noite!
Paredes cinzentas.
Oiço o sussurrar das ondas
no silêncio
de uma escuridão impenetrável.

O sono!
O teu corpo adormecido.
Oiço o murmúrio dos teus beijos
num vazio
de um amor inconsequente.


António Toscano, Caderno nº 27

A madrugada sujou-se de palavras

A madrugada sujou-se de palavras
tuas, pérfidas memórias de espuma.
Desprendido, perfumei o meu corpo
com o sangue dos teus sonhos ambíguos!


António Toscano, Caderno nº 27

Ontem

Ontem,
ouvi o murmúrio dos teus dedos
no lento adormecer da noite.

Hoje,
escutei o silêncio dos teus sonhos
no agitado acordar do meu corpo.


António Toscano, Caderno nº 27

A tua forma de amar

Eu te amei ... Tu me amaste diferente
De alguém que já amou, sem amar... Amor!
Eu te olhei... Tu me olhaste contente ...
Tu me amas? Eu te amo ... grande amor!

Tu cantaste de alegria. Eu cantei ...
Porque nos corações este amor,
Tão grande, já não há. Eu só cantei
De alegria. E logo chorei, por esse, amor.

Há tanto amor e tantas formas de amar
Que quando alguém encontra, o seu
Amor e a sua forma ... O desejo é chorar ...

Eu choro, não de tristeza, de dor;
Mas porque neste Mundo, amor, sem amor,
Ainda alguém pode sentir, o amor teu?!





12/12/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Antes da morte

- Tudo passa nesta curta vida ...
Passa a hora, passa o dia, passa o mês;
Tudo passa na passagem de uma vida ...
Tudo passa e não volta outra vez!

- Tudo passa nesta curta vida ...
Passam-se os anos, correm os tempos ...
Nós vamos decrescendo, na vida ...
Chegam os netos, mudam os ventos!

Já não somos nós, valor já não temos!
Somos trapos velhos, já ninguém os quer,
Ontem fomos gente, hoje nada temos ...

Somos tão pequenos, com tão pouca vida!
Ontem fui criança, hoje, nem sou mulher ...
- Tudo passa nesta curta vida ...!





27/11/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Tempo de esperança

Hoje o meu tempo de esperança:
Está no espaço, por ti, ocupado,
Está na nossa aliança ... na esperança,
Duma grande e muito séria amizade!

Hoje o meu tempo de esperança:
Está na vida não condicionada,
Está na minha fé e segurança,
Está no pequeno e reservado nada!

Hoje o meu tempo de esperança:
Está em ti, a teu lado ... contigo!
Está no muito, no pouco, no nada;

Está no respeito por ti, meu amigo,
E no respeito por mim, mais nada ...
- Hoje tenho um tempo de esperança!





24/11/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Será que te perdi

Tenho no peito, a tristeza sepultada,
Na saudade, o desejo de te ver ...
Tenho na dor, a coragem derramada,
Como na vida, a paixão para viver!

Tenho no orgulho, a razão do nada,
Na esperança, o desejo vencido,
Tenho sede de ser, por ti, amada ...
- Penso na razão de te ter perdido!

Tenho meu amigo, a lança cravada,
No meu coração, como destino ...
E não sei, meu amigo, como arrancá-la

Do meu peito, para à tristeza juntá-la
À chave da sepultura, gravada
Com letras de ouro muito fino!





24/11/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Depois do desespero

Amor, quando tudo sinto perdido:
A esperança, a vontade de te amar,
De viver, de ver o Mundo crescido ...
Apareces como um raio de sol, no ar!

Já não estou triste, mesmo triste
Estando ... Já não estou infeliz, mesmo
Feliz não sendo ... Estou bem, bem mesmo!
Porque sinto que também, não estás triste.

O dia, a hora, o minuto é muito grande,
Chega para esquecer, e a ferida sarar;
Mas o coração não perdoa! Volta a sangrar.

Voltas apesar do Mundo não querer rolar;
E é porque o teu coração é muito grande,
Tão grande, como o amor que tenho para dar.





26/10/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Olhos teus

Olhos teus, mui grandes tamanhos ...
Para quem de nós, tem olhos para ver!
São bem redondos ... de cor castanhos,
E cor de esmeraldas, antes de amanhecer.

Olhos teus, muito grandes ... saudosos ...
São tão grandes que a mim me espanta ...
E são ainda amor, mui maravilhosos,
Os olhares deles, o que a mim me encanta!

São hortênsias do jardim, os olhos teus!
São avelãs, são botões de rosa,
São jasmins, de cor maravilhosa ...

São tão redondos! ... E tão mui brilhantes!
Que só, amor, o brilho dos olhos teus,
Ilumina a minha rua e o largo de mil fontes.






24/08/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Sentir para acreditar

Meu amor, a grandeza do teu querer,
Me é muito grata ... eu reconheço ...
Mas para quê, meu amor, eu te ver,
Se a pura razão tua, eu desconheço?!

Se o amor é tão grande, quanto o teu crer,
Deixa amor, o meu coração adivinha,
E logo, meu amor, te vai querer ver
Perto de si: na nossa casinha!

Meu amor, pois se assim acontecer ...
Deixa!... Não tenhas pena nenhuma ...
Tu vais ser dos primeiros a saber,

Antes que a pena seja mais uma ...
- Depois de tanto te amar sozinha!?
Deixa amor ... o meu coração adivinha!





24/08/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Versos meus

- Versos meus, oh! Que lindos sois!
Versos do meu, e do teu peito!
Versos de amor, de nós os dois ...
Versos nossos, que o amor tem feito.

- Versos meus, oh! Que lindos sois!
Cheios de amor e cheios de ternura ...
Cheios de flores, cheios de verdura ...
E cheios de carinho de nós dois ...!

- Versos meus, oh! Que lindos sois!
Cheios de ternura ... cheios de dor ...
Que o meu coração sofre depois ...

Versos meus, com tanto, tanto amor,
Sentido dentro do peito, de nós dois.
- Versos meus, oh! Que lindos sois!





07/07/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Homem; que hoje nasceste

Põe os teus pés no chão. Caminha.
Homem, que desde hoje nasceste ...
Procura logo, aqui, a tua casinha,
Neste mundo, para onde vieste!

Abre os olhos e olha de frente o céu,
As estrelas, a circular lua cheia ...
E procura no Novo Mundo, o teu véu:
Na música, na dor, no pão e na teia ...

Caminha direito. Nunca, nunca olhes
Para trás. Faz; mas, muito bem feito
Aquilo que encontrares sem jeito!

Deus te encaminhará, os olhos,
No bom caminho. Vai devagarinho ...
- Homem procura aqui, o teu ninho!

Dedicado ao Vereador,
António Matos, aquando
da sua candidatura,
à Câmara de Seixal.

07/07/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

Beijos para ti... !

Levaste contigo quando partiste:
A dor, o sofrimento, o segredo que te matou;
Mas deixaste a alma... o imprevisto...
Nos sonetos que a tua pena tanto amou!

Deixaste-nos ainda os teus desejos ...
Cheios de lágrimas, de beijos e de amor!
Deste tudo em troca de nada, nem beijos!
- Deixaste-nos rosas dobradas de dor!

Tanta dor "Florbela Espanca" viveste ...
Tanta mágoa nos teus versos se adivinha!
- Deitaste lágrimas cruas por falta de amor?!

Sim! ... A solidão faz criar dor, na minha
Alma, tanta quanta dor, na tua, tiveste!
Nos teus versos, salta aos olhos, essa dor ...





05/07/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26

O nosso livro

O livro do amor! ... Do nosso amor!
O livro, amor, do meu, e do teu peito ...
As folhas, abre-as devagar, com jeito,
Como se elas fossem pétalas de flor.

Amor! ... Elas são, o meu e o teu tesouro,
Elas são pétalas de rosa, de jasmim,
Elas são, o que sou para ti, e tu para mim!
E muito mais puramente, o nosso amor ...

Meu amor, só meu! Só teu! O nosso livro!
O nosso livro, amor, e de mais ninguém!
Mas quanta, quanta gente, Meu Bem,

Irá dizer um dia, que este livro,
Que é nosso, só nosso, é deles também?
- O nosso livro, amor, e de mais ninguém!





29/05/1983
Isabel Moreira, Caderno nº 26