quarta-feira, 22 de outubro de 2008

Onde estás Fernão?

Encontrei-a ali, ao virar da esquina.Com outras. Como
[outras.
Tinha as penas sujas de restos de comida e
[mergulhava no cheiro pestilento e nauseabundo do lixo da rua da Liberdade.
Parei e fiquei a observá-la.
Ela olhou-me também, com um olhar piscante e raiado
[de sangue.
Teria eu visto tristeza naquele olhar? ... Ou vergonha
[de vasculhar no lixo?
Desviei o olhar e , por algum motivo, me senti culpada.
O mar, continuava lá ao fundo ...
A Gaivota sacudiu os restos de comida das patas e das
[asas e, esvoaçando, tomou o rumo do ainda pedaço de azul-céu.
Segui-a com o olhar.
O céu continuava impávido e azul.
Não havia tempestade no mar e, no entanto, ela tinha
[fugido para terra.
Era uma gaivota indigente.
Agrupada em indigências e abandonos e pestilências
[de todos nós.
O mar já não é o que era.
Nem o céu.
Nem as gaivotas.
Andam nervosas, stressadas, temeratas.
Estragaram-lhes o mar, estragaram-lhes a casa.

E é aí que nasce o perigo da nossa relação.
Estremeci ao lembrar o olhar raiado de sangue daquela
[Gaivota.
A indigência provocadora de assassínio à solta?!
O filme "Pássaros" do Mestre?
Um arrepio em mim.
Estragaram-lhe a casa.
Esqueceram-se delas.
As Gaivotas ...
Os poetas românticos renascerão e não tardarão a[inventar um Fado de Gaivotas.
Gaivotas que sofrem e descem até aos lixos das
[cidades , para sobreviverem.
E sobrevivem as gaivotas ... já não vivem.
Adamastores do Mar , estragam e embargam os Mares
[da Boa Esperança.
Sopram ventos mais a contra do que a favor.
Brotará do seio das Águas, um líder.
Gaivota Garibaldi?
Fernão Capelo Gaivota ... onde estás?!
No seio do Mar, no seio da Fome, mais acima ... ainda
[haverá uma Gaivota Sonhadora que prescinda do jantar?
Fernão Capelo Gaivota, adormecido .... voltarás?


Nia, Caderno nº 3

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