O dia acabara de nascer,
e já atravessava o rio num cacilheiro,
com o ginjal em fundo
preso no olhar.
Uma voz vinda do coração quase luminosa,
dizia a custo:
- Sou um doente com sida,
estou cheio de fome.
A mesma frase ouvi-a repetir-se incessantemente
[vezes sem conta.
O seu braço alongava-se uma vez mais abandonado
[ao silêncio.
A mão abria-se em forma de concha e serena,
aguarda infatigável o peso de uma moeda.
Extenuada recolhia-se num sono breve sem sentido.
O mesmo gesto feito a todos com a mesma dignidade,
tendo como resposta
o silêncio imperturbável de quantos.
Finalmente uma moeda cai indiferente
na mão do menino de rua.
Sou um doente com sida,
estou cheio de fome.
Afigura-se-me o fim da viagem.
O eco da vida que se esvai aos poucos
entre duas margens.
Alberto Afonso, Caderno nº 36
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
Sem comentários:
Enviar um comentário