segunda-feira, 17 de novembro de 2008

Poema do amor

Eu canto o menino com fome
Filho de mãe tísica
E pai desempregado,
A criança sem escola
E sem pão
Que o polícia persegue,
E prenderá,
Que é ladrão!
O menino faminto
Que roubou p’ra comer.

Eu canto o mineiro sem lar,
Toupeira lhe chamam,
Silicótico e cego
Que vai descer à terra
Para não mais voltar.

Eu canto a mulher a dias
Que é mulher a noites
De dia p’ros outros
À noite p’ros filhos,
Marido não tem
Que a guerra o levou.

Eu canto o soldado-mártir
Herói duma guerra
Que não começou,
Morreu ou voltou?
Perguntem à velha
Que espera no cais,
À velha que eu canto,
Oitenta de lutas,
Lavou muita roupa,
Esfregou muito chão,
Fez muita comida,
Sofreu muita fome
E teve dois filhos
Dois filhos que eu canto,
O Zé tanoeiro
Fazia barris
P´ro vinho dos outros,
Um dia bebeu ...
O vinho e a fome,
A dor e a raiva,
E o formão que cortava ...
Morreu na cadeia!
E o Toino zaralho
Sapateiro torto,
Fazia sapatos
E andava descalço
Três netos lhe deu ...

Eu canto a Maria,
Que é neta da velha,
Que é filha do Toino
Irmã do menino
Mais tarde mineiro,
Que é mulher a dias,
E trabalha na fábrica,
E sustenta o filhito,
E sustenta o marido
Há muito entrevado,
E paga p’rá caixa,
E lava a escada,
Da casa onde vive,
E vai ao papel,
Quando é madrugada,
E veste um vestido
Que a senhora lhe deu.

Eu canto os meninos
Que vivem com fome,
E os homens que lutam,
E os homens que morrem
Porque o corpo sucumbe,
E as mulheres-cadáver
Que apenas existem.

Eu canto as prisões,
E canto as grilhetas,
E canto o sofrer
E a falta de pão!

Eu canto a miséria
E mais a esmola,
E o emigrante
Que voltará rico,
Ou não voltará!

Eu canto o ardina
Que vive a gritar,
E canto o mendigo
Que mora na rua,
E o carpinteiro
Que dorme no chão,
E o alfaiate
Que vive despido,
E canto o padeiro
Que amassa e não come!

Eu canto o meu povo,
Eu canto o amor!


Nogueira Pardal, Caderno nº 18

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