segunda-feira, 24 de novembro de 2008

Poema a uma jovem flor

Para a Carla


Ainda ontem,
envolvia-te em meus braços
com mil cuidados.

Ainda ontem
eras a criança
que trazia pela mão embevecido,
e te levava a passear
àquele lugar que tanto gostavas
para que sentisses, como eu, o pulsar das águas,
a magia eterna daquele majestoso lugar,
que por nós chama sem cessar.

Era para lá ...
para esse lugar quase secreto
que tu tão bem conheces,
que nos dirigíamos
nos nossos passeios de fim de semana, sem excepção.

Era lá que juntos
encontrávamos alguma paz interior
e tentávamos de alguma forma
esquecer os dissabores que a nossa vida
infelizmente nos havia guardado.

Era lá, que encontrávamos de mãos dadas,
numa brincadeira sem regresso
o voo razante das gaivotas,
o solitário vento assobiando
e o marulhar das águas
no silêncio das pedras feridas.

Era nestas pedras de alma branca
que nos sentávamos silenciosamente
admirando maravilhados, o rio a nossos pés
que se estendia para lá da grandiosa ponte,
que continua a abraçar num desejo de anos,
as duas margens do rio.

Era neste humilde lugar encantado,
quase deserto de pessoas que , em segredo,
falávamos dos nossos desejos
e de sonhos por realizar.

E caminhando descalços, praia fora,
apanhavas de quando em vez
pequenos seixos e conchitas
que brilhavam graciosamente
no centro da tua mão, ao sol da tarde,
que depois juntavas religiosamente
num pequeno saco de plástico
que eu tinha o cuidado de levar,
bem guardado, no fundo do meu bolso.

Sei que todos estes momentos
se diluíram no tempo sem piedade
mas não na minha memória.
Porque os guardo bem vivos como se fosse hoje ,
neste preciso instante em que te escrevo,
este longo poema de saudade.

Sei que és livre como uma pomba,
como um pássaro alado.

Que todo o teu corpo cresceu.
Mas o meu não,
o meu envelheceu... É certo.

É por esta razão,
que quero dar-te a minha mão,
já cansada de viver...
E uni-la humildemente à tua,
tão cheia de vida.

Vaguear por aquele lugar novamente
como se fosse a primeira vez.
E pudéssemos conversar com o vento amigo
ou contar um a um,
todos os pequenos grãos de areia,
como num sonho interminável,
como se fossemos
eternamente duas crianças!...


Alberto Afonso, Caderno nº 36

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